Ruja o leão — Talita Catanzaro & FHOP (Análise da música)
Quando pensamos na figura de um compositor, provavelmente vem à mente aquela figura artística, um bardo, alguém com violão na mão esperando ser tocado pela inspiração. O compositor é visto como um agente passivo à espera de algo que chegue até ele para ser formulado.
No meio cristão, essa dinâmica frequentemente é descrita como “Deus me deu uma canção”, como se o Espírito soprasse essa inspiração no ouvido de cada um que então traduzisse o sopro numa canção.
Em contraposição a esta imagem, temos aquilo que vários compositores relatam que é uma atitude muito mais ativa em relação à composição, uma verdadeira disciplina de escrita. O compositor deve ativamente se esforçar para compor e, naturalmente, algumas composições sairão mais facilmente que outras.
Creio que o compositor deve mirar mais nessa segunda figura, alguém que está trabalhando continuamente e que, num belo dia, pode receber uma inspiração especial. No caso da música “Ruja o leão”, ela nasce dentro de um contexto ativo, e não apenas de alguém no quarto secreto com um instrumento na mão esperando algo chegar. E esse aspecto ativo traz uma marca bem interessante à música.
Talita Catanzaro relata que a música nasceu na sala de oração da igreja Florianópolis House of Prayer (FHOP). Para quem não conhece a FHOP e a sala, trata-se de uma iniciativa em que há um espaço de louvor e oração aberto diariamente na igreja. Há diversos turnos com músicos escalados para que o movimento de adoração seja contínuo. E é dentro desta disciplina contínua e diária da qual ela participa há anos que nasce o refrão que depois se tornaria a música que conhecemos. Desde então, a música já foi tocada algumas milhares de vezes e foi gravada inclusive pelo Isaías Saad com participação da Nívea Soares.
No dia em que surgiu o refrão pela primeira vez, Catanzaro conta que estavam no meio de um momento de oração específica pelo Brasil — um fato muito importante para contextualizarmos essa música e até entendermos o alcance que ela teve. Não vamos entrar no mérito dos governos atuais e anteriores do nosso país, mas creio que todos estejam de acordo quando dizemos que nosso país não anda nada bem e necessita de Cristo. Seja quem for o presidente ocupando o Palácio do Planalto, o verdadeiro governante que rege nossas vidas é Jesus Cristo, o Leão da Tribo de Judá, que governa com a verdadeira justiça e autoridade.
Vamos olhar, agora, para a letra da música:
Sobre o trono de justiça
Eternamente, haverá um Rei
Ele voltará para governar,
as nações em amor
Que ruja o Leão
E que a Terra estremeça
Diante da majestade de Jesus
O descendente de Davi
O homem mais notável
Ele ama a justiça
Odeia iniquidade
A letra é bem direta e sucinta. Apesar de não ser uma referência direta a um único texto bíblico, cada conceito é facilmente rastreado na Bíblia. Não é uma música bíblica no sentido de que ela expõe uma doutrina sistematizada, mas certamente é bíblica nos conceitos que apresenta.
Um aspecto interessante aqui a ser observado é o seguinte: essa música talvez soe estranha para aqueles de tradição reformada que estão habituados a hinos mais longos com um desenvolvimento doutrinário ou teológico mais apurado, seguindo mais uma linha discursiva que poética. A música não tem uma mensagem clara, uma cadência lógica ou um raciocínio desenvolvido ao longo da letra, e por isso pode parecer estar faltando certa clareza.
Porém, a verdade é que nem toda a devoção deve partir desse tipo de exposição. Um dos aspectos mais interessantes e benéficos para o cristão é a contemplação. Essa é uma característica bem legal da FHOP, que vale notar aqui. Eles têm uma cultura que cultiva o fascínio por Deus. Ele deve ser racionalizado, sim. Devemos empregar nossas faculdades cognitivas e dedicar a nossa mente a compreender Deus, obviamente, pois isso é exercitar aquilo do qual Ele nos dotou. Por outro lado, Deus também deve ser admirado e contemplado. Devemos nos encantar e nos fascinar com Deus, e nesse sentido essa música apresenta uma cena, pinta um quadro, por assim dizer.
E o quadro é simples e claro: este é o nosso Deus. Ele é majestoso. Ele está sobre trono de justiça e amor. E este Deus reina sobre tudo e todos, e isso deve nos fazer estremecer. Poderíamos racionalizar esses conceitos, mas as vezes temos apenas que contemplá-lo e deixar que a imagem de Deus encha os nossos olhos e nos maravilhe. Apocalipse é repleto de imagens que levam muitos a se exaurir tentando esmiuçar todos os detalhes fantásticos que vemos. Mas se ficássemos apenas nisso, seria como estar diante de um quadro belíssimo e focarmos apenas na qualidade e técnica das pinceladas usadas pelo artista, em vez de dar um passo para trás e admirar a beleza do todo.
Uma palavra sobre o refrão da música: apesar de a Bíblia usar a imagem do leão no Novo Testamento, esse leão não é personificado, ou seja, ele age. No Antigo Testamento temos rápidas menções sobre o leão que ruge, mas no Novo Testamento não vemos isso. Em Apocalipse ouvimos falar do Leão de Judá, mas não como um ser quadrúpede engatinhando e rugindo. O vemos como um título dado a Jesus, junto a outros inclusive, como em Apocalipse 5:5. Tendo dito isso, apesar de não termos essa imagem do leão rugindo, é uma imagem que não fere a Palavra. Às vezes vemos músicas que levam imagens longe demais, particularmente aquelas que partem da ideia de Jesus como noivo e acabam o romantizando. Mas aqui não é o caso. No contexto da música, faz todo sentido.
Por último, voltemos ao que observamos a respeito do contexto no qual a música nasceu. Essa é uma música forte, com uma melodia, cadência e batida empolgantes, então é muito fácil se entusiasmar com a música em si mesma. Porém, devemos cantar essa música não pelo seu aspecto empolgante musical, mas pelo que ela declara com tremenda força — um clamor mais que necessário para nossos dias.
A música fala de uma escatologia profética, do cumprimento de profecias bíblicas de Apocalipse. Ela aponta para uma realidade final em que Jesus Cristo abrirá a sua boca para falar e todas as nações se dobrarão perante Ele, seja em submissão voluntária ou imposta. Não importa o tamanho da autoridade, quando o leão rugir, todos tremerão. Ninguém foge da sua majestade. E é importante que nós, o seu povo, sejamos lembrados dessas verdades. Então, quando cantarmos essa música em nosso cultos, é necessário lembrar do contexto no qual ela nasceu: na oração.
Ao nos reunirmos como povo de Deus, devemos nos humilhar e agradecer pelo que já foi feito, pedir perdão pelo que temos feito mas também afirmar com confiança aquilo que nos dá paz, apontando para o fiel cumprimento das profecias bíblicas de que Ele voltará para reinar sobre tudo e todos. E creio que esta canção dá voz a um sentimento vital para a nossa oração pelo nosso país. Seja quem for o próximo presidente, nossa confiança está naquele que quando ruge, faz todos estremecerem diante da sua majestade.
Descubra como ter um repertório mais bíblico e organizado para a sua igreja. Com músicas divididas por temas, referências bíblicas e intensidade, você terá segurança e clareza na escolha das canções que exaltam a Cristo e edificam a igreja.