Rompendo em fé — Comunidade Evangélica Internacional da Zona Sul (Análise da música)
Vivemos numa época onde não há escassez de fé. Ela estampa camisetas, bijuterias e tatuagens tanto dentro quanto fora da igreja. De fato, toda pessoa é uma pessoa “de fé”. Afinal, todos acreditam em alguma coisa, depositam a sua fé em algo ou alguém.
A música que veremos hoje exalta a qualidade da fé do crente. Porém, o pastor e autor Timothy Keller afirma, em seu livro “Fé na era do ceticismo”, que: “Não é a força da sua fé, mas o objeto da sua fé, que realmente o salva.”
Em outras palavras, não é a convicção ou qualidade da fé de alguém que a salva, e sim aquilo no qual a fé é depositada. Assim sendo, temos que avaliar o alvo de fé.
A música “Rompendo em fé” é certamente uma afirmação poderosa da fé de quem a canta. Mas, a pergunta que devemos fazer a esta música é: “Quem ou qual é o objeto dessa fé?” Neste caso, é uma fé depositada em Deus.
A partir disso, temos que fazer uma segunda pergunta: a partir do que sabemos a respeito de Deus, conforme é registrado nas Escrituras, será que a fé descrita na música condiz com quem Ele se revelou ser, conforme está escrito na Bíblia?
Vamos dar uma olhada na letra:
Na primeira estrofe, não há grandes problemas. Ela fala de provações da fé e como cada uma delas nos faz crescer e nos aproximam de Deus. Até aí, sem problemas. Mas isso logo mudará na segunda estrofe.
Esta estrofe começa com afirmações verdadeiras, mas que são logo aplicadas de maneira errada.
“Se diante de mim não se abrir o mar, Deus vai me fazer andar por sobre as águas”
Ouvi de um pastor certa vez que tem muito crente morrendo afogado porque cantou essa música. A afirmação é de uma presunção tremenda, pois pega dois relatos bíblicos distintos e os aplica desconsiderando completamente o contexto específico de cada passagem.
Primeiro, temos a referência ao mar se abrindo perante nós, que faz referência a Moisés e o povo de Israel na travessia do deserto. O interessante do relato de Êxodo é a conversa entre Moisés e o povo. Moisés ali era o mediador entre Deus e o povo. Israel, por sua vez, estava acampado à beira do Mar Vermelho e, ao ver o exército de Faraó se aproximando correm para Moisés e dizem: “Foi por falta de túmulos no Egito que você nos trouxe para morrermos no deserto?” (v.11). Moisés então responde para que fiquem firmes para ver o que o Senhor faria.
Agora, a partir da letra da música, podemos inferir que o autor se coloca no papel de Moisés, que teve fé, e não do povo de Israel. Ou seja, a música faz uma aplicação da figura de Moisés, o sacerdote escolhido por Deus para fazer mediação com o seu povo como ponto de referência. Mas nós não somos os mediadores entre Deus e o povo. E até mesmo Moisés não era um mediador bom o suficiente. Era necessário que viesse um maior que Moisés, como o livro de Hebreus bem estabelece. Era necessário que viesse Jesus para ser o sacerdote perfeito. O que nos leva à segunda afirmação problemática da mesma estrofe.
Só houve duas pessoas que andaram sobre as águas na Bíblia: o próprio Jesus Cristo, o Filho de Deus, e Pedro, que foi convidado para se juntar a Ele. Sabemos que Pedro logo se afogou, justamente pela sua falta de fé. Ou seja, não é a atitude de Pedro que essa música espelha, e sim a de Cristo.
Então, numa mesma estrofe, somos colocados em par de igualdade com Moisés e Jesus Cristo, utilizando relatos completamente fora de contexto e incorretamente aplicados a nós. É muita presunção afirmar que nós temos esse tipo de fé e que Deus necessariamente a responderá dessa maneira.
Em seguida, chegamos ao refrão, que traz mais uma série de afirmações triunfalistas, absolutas e sem embasamento bíblico.
“Rompendo em fé, minha vida se revestirá do Teu poder
Rompendo em fé, com ousadia vou mover no sobrenatural
Quando a Bíblia fala de revestimento de poder do alto, é para que? Geralmente é para a pregação da Palavra de Deus, que não parece ser o caso dessa música. Quanto a “com ousadia vou mover no sobrenatural”, é um conceito que carece de muita imaginação, pois a Bíblia não fala disso. Ela fala de poder do Espírito Santo que, novamente, veio para testemunhar da obra de Cristo (Jo 16:13).
Por fim, como esta música nos ensina sobre Cristo? Sobre a cruz? Como ela nos coloca perante Deus? Como dependentes da graça dele ou como autoridades?
É uma música cuja teologia se baseia na presunção de que Deus sempre irá agir de forma sobrenatural e espetacular, proporcionalmente à nossa fé. Além do tom triunfalista, é uma letra que faz uma péssima aplicação bíblica e coloca toda a responsabilidade da ação de Deus sobre o poder da nossa fé.
No final das contas, é uma exaltação da fé por si só, e não de Deus. O dano desse tipo de ensino é que coloca uma tremenda pressão sobre as pessoas que porventura não veem ação sobrenatural nas suas vidas e enfrentam tremendas dificuldades. Para estas, a resposta acaba sendo: “A sua vida está assim por que está lhe faltando fé”, e elas se sentem responsáveis pela sua própria circunstância.
Esta música não deveria fazer parte e nenhum culto cristão. E também não serve para ser ouvida no dia a dia, pois prega um falso Evangelho. Ela serve apenas para exaltar o homem, e não a Deus.
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