Por que o Diabo deveria ter todos os bons músicos?
Quando eu era criança, meus professores da escola dominical às vezes nos davam cópias antigas dos quadrinhos Archie Comics da década de 1970, nos quais a turma de Riverdale era retratada como parte do movimento “Jesus People,” apontando para cima para indicar que Jesus é o único caminho. Mais tarde, fomos forçados a assistir a outro artefato cristão da época: o filme apocalíptico pré-milenista A Ladrão na Noite, que era teologicamente e esteticamente terrível. Como o músico Larry Norman foi o trovador do “movimento de Jesus” e compôs o hino pós-arrebatamento I Wish We’d All Been Ready para o filme, acabei associando Norman à cultura cristã remanescente dos anos 1970. O fato de eu não ser fã de Norman diz mais sobre minhas próprias bagagens emocionais do que sobre os méritos artísticos dele.
Dito isso, duvido que eu teria lido uma biografia de Norman se ela não tivesse sido escrita por Gregory Alan Thornbury, um intelectual incisivo e sério cujo trabalho admiro desde nossos dias de doutorado juntos no The Southern Baptist Theological Seminary. Em seu novo livro inovador, Why Should the Devil Have All the Good Music? Larry Norman and the Perils of Christian Rock, Thornbury, como estudioso e escritor, não decepciona, enquanto Norman, como pessoa (se não como artista), sim. Se eu tivesse que resumir este livro em duas palavras, escolheria “brilhante” e “sombrio” – o primeiro para descrever a escrita, e o segundo para o assunto abordado.
O lado sombrio de Larry Norman
Desde o início, Thornbury demonstra com maestria por que este livro deve interessar até mesmo àqueles que não se importam com Norman ou com a música cristã contemporânea, ao mostrar como a trajetória de Norman se cruzou com grandes tendências da cultura religiosa e política americana. Como Thornbury descreve, Norman foi “o Forrest Gump do evangelicalismo”, e o livro nos mostra exatamente como isso aconteceu.
Mais importante ainda, Thornbury conecta a história desse músico da era hippie a temas universais como pecado, graça, anseio e sofrimento. Parte dessa abordagem se reflete na estrutura do livro, cujos capítulos são nomeados com base nos principais conflitos da vida de Norman, como “Jesus contra o Superman” (sobre sua infância), “Jesus contra o Movimento de Jesus” (sobre seus tumultuados conflitos com outros) e o capítulo final sobre seus últimos dias, intitulado “Jesus contra Larry Norman?”. Esse último capítulo é o único com um ponto de interrogação – e por um bom motivo. O enigma da vida de Norman, como capturado neste livro, não diz tanto sobre ele, mas sobre onde encontrar Jesus em meio a tudo isso.
Como todos os seres humanos são criados à imagem de Deus e todos são caídos, qualquer biografia deve contar uma história que inclua tanto luz quanto sombras. Esta biografia faz isso. Não é uma hagiografia. Ainda assim, fiquei surpreso com o quanto me senti triste pela vida desse artista ao final da leitura.
Até mesmo as características mais “redentoras” de Norman parecem ser engolidas pela escuridão. Ele patrocinava crianças por meio da Compassion International e ordenou que seus testamenteiros não interrompessem esse apoio, mesmo quando sua situação financeira estava insustentável. Contudo, isso parecia menos um ato de compaixão e mais um teste moral imposto à sua família – um comportamento condizente com a figura de Norman descrita no livro, que se mostra perturbadoramente manipuladora.
A isso se soma a triste história de seus casamentos fracassados e a alegação de que teve um filho fora do casamento, a quem nunca reconheceu publicamente, nem mesmo em seu leito de morte. Cuidar de crianças necessitadas ao redor do mundo é algo louvável, sem dúvida. Mas como alguém pode fazer isso enquanto ao mesmo tempo mantém seu próprio filho na orfandade para proteger sua imagem ou carreira?
De fato, ao longo do livro, Norman parece menos alguém que, como em sua música, estava “apenas visitando este planeta” e mais alguém que, como diria Walker Percy, estava “perdido no cosmos.”
A impiedade do mercado cristão
Muitos lerão este livro para entender melhor as correntes culturais que nos levaram, entre outras coisas, ao estado atual do evangelicalismo americano – e o livro cumpre bem essa função. No entanto, me pergunto se a lição mais relevante não está em outra questão: por que tantas histórias no meio evangélico terminam de maneira semelhante? Por que tantas pessoas criativas e talentosas acabam naufragando na solidão, na imoralidade e no caos pessoal ou familiar?
Parte disso, suspeito, tem a ver com os tipos de personalidade e as formas únicas de quebrantamento que frequentemente impulsionam indivíduos a liderar empreitadas inovadoras. Mas parte também se deve à natureza da cristandade institucionalizada nos Estados Unidos.
Para aqueles de nós que valorizam a prestação de contas eclesiástica, seria fácil apontar a desconfiança de Norman em relação à igreja institucional (algo evidente, a meu ver, em sua melhor música, The Great American Novel, uma crítica mordaz à hipocrisia moral do cristianismo do Sul dos EUA). Mas será que não deveríamos nos perguntar por que Norman via as coisas dessa forma?
Ao longo do livro – com algumas exceções, como Billy Graham – os próprios cristãos foram os que mais atacaram Norman por qualquer coisa que não reforçasse os chavões reconfortantes do mercado cristão. Norman foi um pioneiro que revolucionou a música cristã, mas o movimento evangélico, ao que parece, apenas se aproveitou de seus talentos, sem nunca enxergar o homem por trás deles.
O que teria acontecido se Norman tivesse tido menos parceiros de negócios e mais amigos? Como sua vida teria sido diferente se o movimento evangélico tivesse oferecido a ele um “Natã” que pudesse confrontá-lo em seu pecado e apontá-lo para a graça, em vez de apenas bajuladores enquanto ele dava lucro e acusadores ferozes quando não dava mais?
Talvez este livro devesse nos levar a perguntar: quem são os Larry Normans ao nosso redor hoje? Pessoas talentosas, mas atormentadas, capazes de escrever e cantar sobre um Deus gracioso, mas incapazes de encontrá-lo em suas próprias vidas? Quem, um dia, olharemos para trás e diremos, sobre uma vida igualmente angustiada: I Wish We’d All Been Ready?
Talvez devêssemos fazer essas perguntas – e reconhecer quando precisamos de ajuda para encontrar as respostas.
É ruim o Diabo ter toda a boa música. Mas é ainda pior quando o Diabo tem todos os bons músicos.
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