O que cristãos miseráveis podem cantar?
Tendo experimentado — e, geralmente, apreciado — cultos de todo o espectro evangelical, dos carismáticos aos reformados — estou falando aqui menos da forma do culto do que do conteúdo. Assim, gostaria de fazer apenas uma observação: os Salmos, o hinário contido na própria Bíblia, tem sido quase inteiramente deixado de lado pela igreja ocidental evangelical contemporânea. Não estou certo do porquê disso, mas tenho um sentido instintivo de que isso tem mais do que pouco a ver com o fato de que uma grande parte do saltério é composta de lamentação, de se sentir triste, infeliz, atormentado e quebrantado.
Na cultura ocidental moderna, essas simplesmente não são emoções que tem muita credibilidade: claro, as pessoas sentem essas coisas, mas admitir que elas são uma parte normal da vida cotidiana é semelhante a admitir um fracasso na atual sociedade de saúde, riqueza e felicidade. E, é claro, se alguém as admite, não se deve aceitá-las ou se responsabilizar por elas: deve-se culpar os pais, processar a empresa em que trabalha, tomar algum remédio ou ir a uma clínica para espantar essas emoções disfuncionais e restaurar a autoimagem.
Veja, ninguém espera que o mundo tenha muito tempo para a fraqueza dos clamores do salmista. É muito perturbador, entretanto, quando esses clamores de lamentação desaparecem da linguagem e da adoração da igreja. Talvez a igreja ocidental sinta que não há necessidade de lamentar — mas isso seria estar tristemente enganada pelo quão saudável ela está em termos de números, influência e maturidade espiritual. Talvez — e isso me parece mais provável — ela tenha bebido tanto das fontes do materialismo ocidental que simplesmente não sabe o que fazer com tais clamores e pensa que eles, na verdade, seriam um tanto quanto embaraçosos. Entretanto, a condição humana é de miséria — e cristãos conscientes do engano do coração humano deveriam entender isso.
Uma dieta ininterrupta de cânticos e hinos alegres inevitavelmente cria um horizonte de expectativas irreais que enxerga a vida cristã ordinária como uma longa festa triunfalista — um cenário teologicamente incorreto e pastoralmente desastroso em um mundo de seres humanos caídos. Será que uma crença inconsciente de que o cristianismo é — ou deveria ser — apenas a respeito de saúde, riqueza e alegria corrompeu o conteúdo da nossa adoração? Poucos cristãos das áreas onde a igreja tem se fortalecido mais nas últimas décadas — China, África, Leste Europeu — considerariam momentos de bem-estar emocional como a experiência cristã normal.
De fato, os retratos bíblicos da vida dos crentes não dão espaço para tal noção. Veja Abraão, José, Davi, Jeremias e os relatos detalhados das experiências dos salmistas. Tanta agonia, tanta lamentação, desespero ocasional — e a própria alegria, quando manifesta — são muito diferentes do triunfalismo efêmero que infectou tanto do nosso cristianismo moderno ocidental. Nos Salmos, Deus deu à igreja uma linguagem que permite que ela se expresse mesmo as mais profundas agonias da alma humana no contexto da adoração. Nossa linguagem contemporânea de adoração reflete o horizonte de expectativas relativas à experiência do crente que o saltério propõe como normativa? Se não, por que não? Será por que os valores confortáveis do consumismo de classe-média ocidental se infiltrou silenciosamente na igreja e nos levou a considerar esse tipo de clamor irrelevante, embaraçoso e sinais de fracasso total?
Certa vez sugeri, em uma reunião de liderança de uma igreja, que os Salmos tivessem uma prioridade maior na adoração evangelical do que eles geralmente têm — e me foi dito em termos não muito suaves por uma pessoa indignada que tal visão demonstrava um coração sem interesse por evangelismo. Pelo contrário, creio que é a exclusão das experiências e expectativas dos salmistas de nossa adoração — e, assim, das nossas expectativas — uma grande responsável pelo aleijamento dos esforços evangelísticos da igreja do ocidente e nos transformou em anões espirituais.
Ao excluir os clamores de solidão, desapontamento e desolação de sua adoração, a igreja efetivamente silenciou e excluiu as vozes daqueles que são solitários, desapontados e desolados, tanto dentro quanto fora da igreja. Ao fazê-lo, ela implicitamente endossou as aspirações banais do consumismo, gerou um cristianismo triunfalista insípido, trivial e irrealista e confirmou suas credenciais impecáveis com um clube para os complacentes.
Recentemente, perguntei a três tipos bem diferentes de audiências evangelicais o que cristãos miseráveis poderiam cantar na igreja. Em cada ocasião, minha questão gerou risadas altas, como se a ideia de um cristão em desespero, de coração partido ou solitário fosse tão absurda que chegaria a ser cômica — mesmo eu tendo feito a pergunta com bastante seriedade. É de se surpreender que o evangelicalismo moderno, desde os carismáticos até os reformados, é praticamente todo um fenômeno confortável de classe média?
Por: Carl R. Trueman. © Tolle Lege.