Emaús — Morada (Análise da música)
“Emaús,” do Morada, tem como base o encontro de Jesus com dois discípulos no caminho de Emaús, conforme está registrado no evangelho de Lucas (24:13–35).
Segundo o relato bíblico, lá estavam na estrada dois discípulos caminhando de rostos entristecidos (v.17) após a morte de Cristo conversando a respeito dos últimos acontecimentos. Jesus, então, se aproxima deles, mas não o reconhecem (v.16). Ele então pergunta sobre o que discutiam, ao qual respondem: “Você é o único visitante em Jerusalém que não sabe das coisas que ali aconteceram nestes dias?” Muito ironicamente, passam a explicar para o próprio Jesus aquilo que testemunharam a seu respeito, da sua morte na cruz e, inclusive, citam até as suas próprias palavras dizendo que ao terceiro dia ressuscitaria, para trazer a redenção de Israel.
Jesus responde: “Como vocês custam a entender e como demoram a crer em tudo o que os profetas falaram…”. (v.25) Jesus começa, então, a explicar como as Escrituras apontam para Ele (v.25–27). Os três chegam a um povoado e convidam Jesus para ficar com eles (ainda sem o reconhecerem). Ao sentarem à mesa e partirem o pão, enfim os olhos dos dois são abertos e enxergam o Cristo, momento após o qual Jesus desaparece (v.31). Em seguida, os dois correm de volta para Jerusalém para testemunhar aos Onze reunidos (v.33), culminando no anúncio da ressurreição no versículo seguinte.
Após vermos brevemente o texto bíblico no qual “Emaús” se baseia, olhemos então a letra da música:
Quem é esse que vem nos abraçando?
Quem é esse que vem nos constrangendo com o olhar?
Ele é tão sábio, ensina em amor
Ele é tão manso, cuida dos corações
A canção usa o relato bíblico como pano de fundo e fala de um encontro nosso com Jesus, como se nós fossemos os discípulos na estrada. Temos aqui algo inspirado no relato bíblico, sem segui-lo à risca. A música segue um pouco da estrutura do relato de Lucas, mas alguns detalhes são inseridos (por licença poética) que não constam no texto bíblico: “nos abraçando / constrangendo com o olhar”.
Ele entrou em casa, Ele está na mesa
Ele nos observa, sabe que o esperamos
Em seguida, a música afirma que Ele (Jesus) adentra a casa onde é esperado, algo que o relato bíblico não diz a respeito dos discípulos. Nos caso deles, naquele ponto ainda não sabem de quem se trata o viajante que encontraram. Aqui, novamente, a música já faz uma aplicação menos apegada à Palavra. Enquanto a música diz que “sabe que o esperamos”, o versículo 19 mostra o quanto os discípulos ainda não ligaram os pontos de que o profeta sobre quem falavam agora é o redentor de Israel pelo qual esperavam.
E ao partir o pão, os nossos olhos se abrem
E reconhecemos quem Tú és
Ao som da tua voz os nossos corações
Queimam de amor
A canção então segue para o encontro à mesa e o partir do pão onde, enfim, nós o reconhecemos. Aqui tem uma certa inconsistência lógica, já que numa estrofe anterior da música, diz que Ele sabe que o esperávamos. Mas se o esperávamos, como é que não o enxergamos e só agora o reconhecemos? Nós não sabíamos pelo que esperávamos? No texto bíblico é justamente pelo fato de que os discípulos não o esperavam que surge o grande choque da revelação de que Jesus de fato ressuscitou — a grande virada da história.
O detalhe que dá fim à tristeza e perplexidade dos discípulos, que finalmente os ilumina é enxergar que Cristo de fato fez tudo que Ele havia prometido fazer, inclusive ressuscitar! O relato bíblico culmina nessa revelação, mas na música não se menciona a ressurreição. Ela fica apenas na primeira parte do relato bíblico com uma mera presunção da segunda parte.
Nós arrumamos a casa, perfumamos ela toda
Nós preparamos a mesa, tome o lugar de honra
Fora um inconsistência na sequência paralela dos fatos, “Emaús” não chega a cometer erros teológicos, mas creio que peca pela omissão da parte mais importante do texto no qual se inspira, que é o entendimento de que o Cristo crucificado ressuscitou, venceu a morte e agora vive! A música lida com uns dois terços do relato bíblico e deixa de fora o ápice da história, a melhor parte.
Tendo dito isso, fica então a pergunta: essa falta desmerece a música como um todo? Não chegaria a tanto, mas para mim, particularmente, eu preciso esquecer do texto bíblico para cantar essa música, pois a inconsistência será algo que não conseguirei deixar de lado.
Se o objetivo dos autores era de usar este relato bíblico como pano de fundo para um encontro nosso com Deus, eu preferiria que eles fossem mais fiéis ao texto. Em termos do canto congregacional, não recomendaria esta música para o culto. Por outro lado, é uma música boa de se ouvir e a mensagem, com as devidas ressalvas, não deixa de ser positiva. Logo, seria uma música para se ouvir em privado, no dia a dia.
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