Deserto — Maria Marçal (Análise da música)
Na última edição do Troféu Promessas, a jovem cantora Marcia Marçal venceu dois prêmios, de artista revelação e artista mirim do ano. A voz dela é impressionante, ainda mais considerando a sua pouca idade. Já a música “Deserto”, de autoria do conhecido cantor e compositor Anderson Freire, ganhou o prêmio de música do ano.
A letra tem como pano de fundo a tentação de Jesus no deserto, conforme vemos em Mateus 4:1–11. Segundo o texto, após seu batismo, Jesus foi enviado para o deserto para ser tentando pelo diabo (Mt 4:1) antes de iniciar seu ministério de pregação.
Será que a música é fiel à Bíblia? Veremos a seguir.
Eu não preciso transformar pedras em pães para provar
Que no deserto Tu estás cuidando de mim
De um lugar alto não vou me lançar só pra demonstrar o Teu poder
Eu não preciso ver fenômenos para crer em Ti
Não troco nossa comunhão pelo prazer de conquistar
Palácios, riquezas como um deserto, isso vai passar
Nas três primeiras estrofes, temos um paralelo com os três desafios que o diabo faz a Jesus. Após quarenta dias no deserto, Jesus sentiu fome (v.2). O diabo logo vem e o desafia a transformar pedras em pães. Em seguida, Jesus é desafiado a se lançar do alto do templo para que os anjos o socorressem. E por último, Satanás oferece todos os reinos e a glória do mundo se Jesus se prostrar perante ele e o adorar. Para responder a cada uma das tentações, Jesus recorre à Palavra. E é aqui que a música começa a diluir o texto bíblico.
Em cada uma das tentações, Jesus afirma a Palavra de Deus, a sua vontade. A força que Ele tem contra o diabo vem do fato de que Ele não desobedecerá àquilo que o Pai disse claramente no Antigo Testamento. E ele deixa isso bem claro desde a primeira resposta, quando diz: “Não só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que procede da boca de Deus”, uma referência a Deuteronômio 8:3. Na resposta seguinte, Jesus volta para Deuteronômio 6:16. E na sua última resposta, ele cita novamente Deuteronômio 6:13.
Portanto, se por um lado a música faz um bom trabalho em seguir às tentações de Cristo, por outro ela não usa a sustentação das próprias Escrituras que Cristo usou quando resistiu a cada uma delas. Não é uma questão de não precisar ver fenômenos para crer ou não trocar a comunhão por algo que vai passar. É uma questão de obedecer a Palavra de Deus.
Por isso resistindo estou
E quando a minha força se esgotar
O Teu anjo vai me alimentar
Na estrofe seguinte, a música já deixa o texto bíblico de lado. É claro que resistimos na nossa obediência à Palavra e que a nossa força não vem de nós, mas o relato de Mateus 4 não diz que os anjos alimentaram Jesus. O diabo desafiou Jesus justamente a recorrer aos anjos para o salvar (v.6), que Ele recusou. No fim, os anjos vieram para adorar a Jesus (v.11).
Te adorar é o que sustenta-me de pé
Eu não vou, não vou perder a guerra
Te louvar em meio às tentações
É mais que estratégia
Posso não ver o amanhã mas hoje sei
Que esse deserto vai chegar ao fim
O Senhor está cuidando de mim
É interessante ressaltar o quanto Jesus cita o livro de Deuteronômio para resistir às tentações do diabo, por uma razão elementar: o que Jesus foi fazer no deserto é justamente o que o povo de Israel não foi capaz de fazer por conta própria. Nos seus quarenta dias, Jesus cumpriu tudo que Israel fez errado ao longo de quarenta anos. Hebreus 4:15 diz que “não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas, mas sim alguém que, como nós, passou por todo tipo de tentação, porém, sem pecado.”
O ponto desse relato é mostrar o quanto precisamos de Jesus para fazer o que nós não conseguimos por conta própria. Foi por conta da desobediência do povo de Israel (e a nossa) no deserto que Jesus precisou vir. Logo, dizer que “não vou perder a guerra” não faz sentido, uma vez que Israel de fato perdeu a guerra contra o pecado no deserto. Tanto que Deus matou uma geração inteira como castigo. Na verdade, nós perdemos a luta contra o pecado diariamente. Mas a nossa esperança reside no fato de que o preço pelo nosso pecado já foi pago por Cristo.
De maneira geral, a mensagem da música não comete erros graves, apesar de tender ao triunfalismo. Mas o problema fundamental dela está na sua aplicação de Mateus 4:1–11. Nós não somos Jesus. Nós não resistiríamos às tentações no deserto, assim como Israel não foi capaz de fazê-lo. É justamente por isso que precisamos da obra de Cristo, para resistir como não resistimos, para morrer em nosso lugar e pagar o preço pelo nosso pecado.
Agora, não posso deixar de reconhecer onde a música acerta. A adoração a Deus, o reconhecimento de quem Ele é o que nos dá forças para prosseguir. É quando nos enxergamos aquém dEle fracos e carentes da sua misericórdia que encontramos a força, graça e misericórdia. Por conta própria, não temos como resistir ao pecado. Mas contamos com o seu perdão que já foi estendido a nós, na cruz.
“Deserto” é uma música bonita e a jovem Maria Marçal tem uma linda voz, mas a letra falha na sua interpretação do texto bíblico, aplicando diretamente a nós algo que não nos é devido. Por esta razão, infelizmente, não recomendamos esta música para o culto público.
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