Casinha favorita — Isadora Pompeo (Análise da música)
Há poucas imagens bíblicas tão mal interpretadas e aplicadas quanto sermos chamados de “casa de Deus”. Precisamos compreender como a Bíblia define o que significa ser “casa de Deus”.
Quando olhamos para o Antigo Testamento, temos que ver como a casa de Deus é representada. O templo era o lugar de encontro de Deus com o homem. Era no templo que a Palavra era lida e compartilhada, onde sacrifícios eram oferecidos, para onde o povo de Deus ia para ouvi-lo falar, por meio das suas Escrituras. A simbologia do templo era central para a vida cristã no Antigo Testamento.
Não é de se surpreender de que alguns dos maiores castigos do Antigo Testamento eram justamente sobre aqueles que tratavam o templo e o culto a Deus de maneira leviana.
Já no Novo Testamento, o Pai envia o seu Filho para nos encontrar. Ele vem até nós e o acesso a Deus, antes restrito ao templo, agora está aberto a todos que vêm até Ele, por meio do Filho, que se oferece como o sacrifício perfeito e vitalício, de uma vez por todas.
Após a sua vinda, morte e ressurreição, Jesus então retorna para o seu lar nos céus e envia o seu Espírito Santo para habitar em nós, para testemunhar da Cruz, para apontar para Ele. E aqui já mora um dos erros básicos em torno do imaginário evangélico: Jesus não habita em nós. Jesus está, ressurreto em carne, nos céus. O relato de Atos 1 é bem claro ao dizer que aquele que todos viram subir voltará um dia, da mesma forma que subiu. A habitação de Jesus é o céu, não o meu coração.
Olhando agora para as diversas citações que são feitas ao longo do Novo Testamento sobre a morada do Espírito Santo, temos que considerar o contexto no qual é feito.
Em 1 Coríntios 3 e 6 Paulo fala que nós somos templo ou santuário do Espírito. Portanto, não podemos viver de qualquer maneira. O que fazemos com o nosso corpo deve ser para glorificar a Deus. Em Efésios 2:19–22 o apóstolo diz que somos edificados para sermos um santuário e morada de Deus no Espírito.
Em 1 Pedro 2:5, Pedro nos diz que somos casa espiritual… para sermos sacerdócio santo. E em Hebreus 3:6, o autor afirma que nós somos a casa de Deus, edificados por Ele, se guardarmos a exultação da esperança.
Logo, sempre que a Bíblia fala sobre sermos casa ou templo do Espírito, ela o faz como uma convocação à santidade, fé e perseverança. Ela não nos exalta como a casa, um fim em si mesmo, mas como um lugar de adoração, onde o Espírito habita. E a edificação em si mesma não é o alvo da glória. Afinal, como o próprio autor aos Hebreus diz logo antes de nos chamar de casa de Deus, “aquele que edifica uma casa tem maior honra do que a casa em si”.
Portanto, temos que fazer a seguinte pergunta em relação à música “Casinha favorita”: ela dá maior honra àquele que edifica a casa ou à casa em si?
Na primeira estrofe, a música nos compara a um terreno que ninguém queria comprar que é escolhido para ser a moradia de Jesus. Na segunda estrofe, ela afirma que este terreno foi comprado pelo seu sangue e que ali foi edificado um palácio. Em seguida, no refrão, a música diz que eu sou a casinha favorita [de Jesus]. Na ponte da música, segue afirmando que Jesus vem para arrumar a bagunça e sujeira que nós fizemos.
O problema das imagens utilizadas da música é que elas partem do imaginário em torno de uma casa sem levar em conta toda a teologia bíblica em torno do templo. Nós não somos uma simples casa onde Deus escolhe viver. Somos um templo erguido por Deus para glorifica-lo, o Pai e Filho que habitam no céu, não aqui.
Quanto ao terreno que não desperta o interesse de ninguém, trata-se de uma imagem que não expressa a gravidade do pecado. A Bíblia não trata aqueles que não pertencem a Deus como rejeitados, mas como inimigos. O pecador que não se arrepende é alguém que ativamente rejeita a Deus, que não o quer em hipótese alguma. Esta imagem é especialmente gráfica em Apocalipse 16:10,11, onde os homens mordiam a língua por causa da dor que sentiam, mas se recusavam a se arrepender de suas obras — obras estas que eram muito mais do que uma mera bagunça ou sujeira amontoada no fundo de uma casa. São uma blasfêmia ativa contra Deus.
Por fim, afirmar que Deus poderia ter escolhido qualquer outra casa, mas nos escolheu para sermos a sua favorita demonstra uma profunda incompreensão a respeito do fim para o qual o homem foi criado. O Breve Catecismo de Westminster afirma que o fim principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre.
Nós não fomos criados como uma opção para Deus escolher, dentre tantas outras. Nós fomos criados com um propósito: para trazer maior glória a Deus, para louvarmos o edificador da casa.
A música “Casinha favorita” expressa um deus pequeno demais, que se curva a nós, que se entrega para construir um palácio para si mesmo. Ao vir até nós, Deus se esvaziou da sua glória e se humilhou não para morar aqui, mas para que nós um dia pudéssemos morar com Ele, na morada eterna na qual Ele já habita. O problema da linguagem superficial e infantil dessa música é que ela apresenta um deus muito menor do que aquele que vemos nas Escrituras.
Nós não somos uma mera casinha favorita de Deus. Nós somos uma nação santa, sacerdócio real, edificados como santuário dedicado ao Senhor, para adorar, honrar e glorificar a Ele.