Aquieta minh’alma — Ministério Zoe (Análise da música)
Hoje vamos analisar uma música que é um sucesso improvável. No canal do Ministério Zoe no Youtube há um vídeo onde o Pr. Rogério Silva — um dos compositores — relata que na época da produção do álbum, o produtor musical responsável achou que a faixa “Aquieta minh’alma” era grande demais e não deveria ser incluída. Mesmo assim, a equipe optou por lançar o disco com a música. Ao contrário do que o produtor esperava, foi um sucesso e o vídeo oficial da faixa tem mais de 648 milhões de visualizações no Youtube.
De fato, a letra da música é bastante extensa. Por isso, para esta análise vamos pegar alguns recortes, apenas. Vamos à letra.
Aquieta minh’alma / Faz meu coração ouvir Tua voz
Me chama pra perto / Só assim eu não me sinto só
Porque, na verdade, eu descobri que tudo o que eu preciso está em Ti
Mas meu coração é teimoso demais pra admitir
Sei que depender é como viver perigosamente
Mas eu preciso acreditar e confiar no que Você me diz
O tema da música gira em torno deste monólogo interior, uma oração, de alguém que reconhece a sua alma irrequieta e está buscando confiar em Deus. Temos este reconhecimento da condução amorosa de Deus quando depositamos nossa confiança nele, um movimento contrário à nossa tendência natural.
Apesar da música não faz referência a um texto bíblico explicitamente, há aqui uma semelhança com o Salmo 42, que diz: “Como a corça anseia por águas correntes, a minha alma anseia por ti…”. Mais adiante no capítulo, temos essa dinâmica semelhante quando o salmista pergunta de si mesmo “Por que você está assim tão triste, ó minha alma? Por que está assim tão perturbada?” (v.5). Inclusive, em uma das gravações ao vivo que encontrei, a cantora introduz a música justamente com uma citação desse Salmo.
A letra da música fica nesse vai e vem entre a dificuldade que é seguir a Deus e afirmação do seu amor. Por um lado, temos os versos “depender é como viver perigosamente… sei que vai ser difícil… eu sei, largar tudo por você”. Do outro, temos “você está no controle… você estará sempre comigo… sei que tudo vai se cumprir… você estará do meu lado me assegurando de que tudo vai ficar bem”.
De fato, a Bíblia afirma que somos entregues a morte todos os dias, logo ali no Salmo 44:22. Mas, por outro lado, Cristo afirma que seu julgo é suave e seu fardo é leve. Paulo fala que para ele morrer é lucro. Então, essa ênfase na dificuldade de seguir a Cristo — por mais que seja legítima — parece dar mais atenção à insegurança do estado de alma do que afirmar a segurança que Deus nos dá. Sinto falta de uma afirmação maior nessa segurança.
Em seguida, a música usa uma frase lá de Cânticos 8:7:
“O tempo não pode apagar, as muitas águas nunca levarão o amor
Que Você sente por mim, eu sei que tudo vai se cumprir”
Como já citamos em outras análises, se você entende que o livro de Cânticos é uma alegoria do amor entre Cristo e sua igreja, faz sentido usar esta linguagem. Nós, porém, entendemos que o livro fala do amor entre o marido e mulher. Então, consideramos esta aplicação indevida. Descrever o amor de Deus por nós por meio de uma linguagem mais romantizada traz um tom mais emocional e sentimentalista para a música, ainda mais quando ela já tem um foco maior na alma do que em Deus propriamente.
Agora, este sentimentalismo é errado? Não inteiramente. De fato, Deus quer tratar dos nossos sentimentos, das nossas emoções. Mas creio que esta música tem um tom intimista e sentimental demais, quando consideramos o contexto do culto público. John Piper diz que devemos pensar no culto para homens, uma vez que é mais fácil as mulheres participarem do que eles. Muitas vezes os tons das músicas e até a linguagem implementada favorece as mulheres, a ponto de inibir a participação masculina. Com isso em mente, costumo analisar músicas para o culto pensando num senhor de meia idade, trabalhador e pai de família cantando. Pessoalmente, tenho dificuldade de enxergar este homem cantando essa música.
Tendo dito isso, reconheço que nem todos compartilharão dessa impressão. Então, para este fim, é bom deixar claro que a música não contém heresias ou desvios doutrinário. Ela afirma a necessidade de confiarmos em Deus e a soberania dele, operando tudo para o bem daqueles que o amam. O problema que vemos nela é mais uma questão de ênfase e linguagem do que de conteúdo, propriamente dito.
Falando agora em termos musicais, a estrutura da música é um pouco confusa, ainda mais considerando a sua extensão. Temos um refrão “Aquieta minh’alma”, que se repete quatro vezes ao longo da música. Mas as outras estrofes não têm uma organização clara. Não fica claro o que é uma estrofe ou ponte, o que se repete ou não. Pensando no contexto congregacional, pode ser um pouco desafiador para a congregação aprender a cantar a música.
Portanto, pensando nesse tom mais intimista e sentimental junto com uma estrutura musical poco clara, cremos que essa música talvez não se encaixe tão bem no culto público, considerando uma expressão coletiva. Como disse o Pr. Rogério em seu vídeo, quando escreveu a sua parte da música, ele expressou algo pelo qual estava passando em sua vida naquele momento, e creio que essa música atende muito bem aqueles que estejam enfrentando justamente esse tipo de situação. Esta música, sem dúvida alguma, descreve bem o estado de alma de pessoas que estejam enfrentando algo como o que vemos no Salmo 42. Ela reconhece a insegurança da alma e afirma o conforto e amparo que temos em Deus e servirá muito bem como uma oração para um momento devocional individual.
Mesmo com essas observações, sabemos que muitos não as considerarão como impeditivos para cantá-la nos seus cultos. Fica a critério de cada grupo avaliar o quão bem esta música servirá na sua igreja. Para os que optarem por cantá-la, a mensagem certamente é edificante.