500 graus — Cassiane (Análise da música)
Antes de analisarmos “500 graus” da cantora Cassiane, permita-me fazer a comparação inevitável com outra que já foi analisada aqui: “1000 graus” da Renascer Praise. Eu não sei de onde saiu 500 ou 1000 graus (certamente não foi da Bíblia), mas no mínimo me parece que faltou ambição na medida da música de hoje. Ou será que a outra quis dobrar a meta? Enfim, nunca saberemos.
“500 graus” cita algumas doutrinas centrais do pentecostalismo, como o dom de línguas e o batismo do Espírito Santo como segunda bênção. Não vamos entrar no mérito dessas doutrinas, uma vez que nosso intuito é trazer princípios bíblicos que devem nortear o louvor de qualquer igreja cristã, independente da sua posição quanto a temas secundários.
Tendo feito essas ressalvas, vamos à letra.
Uma chuva diferente agora está se formando no céu
Temporal de bênção e poder
Um calor tão glorioso invade toda igreja
500º de puro fogo santo e poder
A primeira estrofe já traz as imagens de chuva e fogo, bênção e poder, bem alinhado com as tendências pentecostais que já citamos em outras análises. O que causa certo estranhamento, pelo menos para mim, é chuva com fogo. Se fosse chuva de fogo, aí seria outra coisa. Mas aqui, temos um temporal que inunda (como é mencionado mais tarde na música) e um fogo que queima. Não sei como a chuva cai sem apagar o fogo, mas essas são as imagens que a música usa.
Temos aqui também uma menção que vale observar: não é apenas fogo, e sim fogo santo. Faço questão de ressaltar isso porque a Bíblia fala em Hebreus 12:29 (numa citação de Deuteronômio 4:24) que Deus é um fogo consumidor. E em ambos os trechos bíblicos, Ele é assim descrito no contexto de uma advertência contra a rejeição de Deus. O texto de Deuteronômio diz: “Tenham o cuidado de não esquecer da aliança que o Senhor, o seu Deus, fez com vocês (…) Pois o Senhor, o seu Deus, é Deus zeloso, é fogo consumidor.”
Logo, falar sobre fogo de acordo com a Palavra é falar de purificação, santificação, temor e até juízo, conforme vemos o lago de fogo citado em Apocalipse. Já “500 graus” fala de fogo em termos de unção e poder. Aqui, obviamente, a imagem pega mais emprestado do relato do dia de Pentecostes de Atos 2. O texto fala, porém, que o Espírito veio sobre todos “como línguas de fogo”. Ou seja, até essa imagem não fala de fogo, propriamente dito. É apenas uma comparação. Ainda assim, o Espírito de fato capacita os presentes com línguas para pregar o Evangelho, um testemunho que vemos desenvolvido ao longo do livro de Atos, mostrando como a igreja cresceu por meio da pregação da Palavra. Então, o objetivo de poder do alto ali serviria à proclamação do Evangelho.
A música “500 graus”, porém, não faz essa associação. Numa próxima estrofe ela até diz que “um calor tão glorioso está queimando o pecado”, mas a ênfase maior fica nos sinais e maravilhas:
[poder] Pra fazer enfermidade desaparecer
Pra fazer o inimigo fugir de você
Uma nuvem de vitória está sobre a igreja
A previsão de Deus diz que vai chover
[…]
É a promessa de Deus
O fogo vai descer, por esse poder!
De onde veio essa promessa? É uma baita afirmação dizer que Deus prometeu fogo. Se estiver se referindo à profecia de Joel 2:28–32, o seu cumprimento foi justamente no dia de Pentecostes. Quanto a uma outra promessa de “descer com fogo” a Bíblia realmente não afirma isso. Logo, é uma promessa questionável, uma vez que a única Palavra de Deus inerrante é aquela que temos na forma das Escrituras.
O resto da letra segue a mesma temática, enfatizando a experiência pentecostal com vitória, línguas, dando glórias, gente sendo batizada etc. A gente poderia gastar mais tempo com cada porção individualmente, mas creio ser mais proveitoso dar um passo para trás e ver o quadro geral que essa música pinta.
Quais são os sinais da presença de Deus? Moisés virou o rosto ao ver Deus passar. Isaías se considerou um homem de lábios impuros. João caiu como morto. Quando somos confrontados com a glória de Deus, há sim reações fortes, mas o que vemos na Palavra são homens que enxergam o seu pecado e ficam aterrorizados face a santidade de Deus. Não vemos essas manifestações tal qual no dia de Pentecostes, que, aliás, nunca se repetiu. Aquilo foi um momento único na história, o qual não podemos tornar normativo.
A música “500 graus” toma todas a tendências problemáticas do pentecostalismo e as potencializa de uma forma que foge do que vemos nas Escrituras. Ela promete o que Deus nunca prometeu e o faz de maneira triunfalista ao extremo. Por mais que seja uma afirmação de fé a respeito de como Deus pode agir, ela pressupõe que Ele o fará dessa maneira específica. E não vemos nas Escrituras base para afirmar que isso seja normativo para todos os cristãos.
Resumindo, por mais que ansiemos por ver o poder de Deus agindo em nosso meio, não podemos afirmar aquilo que Ele não afirmou e estabelecer que Ele agirá de uma maneira que Ele não prometeu. Por mais que seja uma música que expresse uma fé vigorosa e um desejo sincero, ela acaba o fazendo sem o devido cuidado de observar as Escrituras. Portanto, é uma música que não recomendamos para a igreja.