3 razões para deixar as luzes acesas no momento das músicas no culto
O culto está para começar. Um vídeo de alguns minutos no telão atrairá a atenção dos presentes. O pessoal começa a sentar e ao fim do vídeo o grupo de música da igreja faz a abertura com uma música normalmente agitada. Enquanto a banda toca (30–40 minutos) as luzes estão apagadas na congregação e os spotlights acesos na banda. Ao término do canto, as luzes são acesas. Esse é basicamente o formato da abertura de um culto na maioria das igrejas contemporâneas, independente da denominação.
Não sou contra a contemporaneidade e acredito que podemos pensar biblicamente acerca dela. Também entendo que há uma certa liberdade bíblica para trabalhamos alguns elementos de culto dentro da nossa cultura (considerando que esses elementos sejam princípios e/ou prescrições bíblicas). Há também a questão da estética a ser considerada. Mesmo assim, gostaria de sugerir algumas razões para não nos rendermos à uma tentação cultural de entretenimento no momento que cantamos na igreja — luzes apagadas na congregação, mas acesas na plataforma.
Talvez muitos nem tenham percebido essa tentação e estão somente copiando um “método que deu certo” em igrejas emergentes na Austrália e Estados Unidos (por exemplo Hillsong Church e Bethel Church). Por outro lado, pode ser que haja intencionalidade em apagar as luzes no momento das músicas, como criar uma “atmosfera propícia para a adoração” ou “estimular as emoções e corações” nesse momento. Seja qual for o caso, acredito que temos princípios bíblicos que podem nos oferecer sabedoria para essas questões.
1. Somos instruídos a “falar uns aos outros com salmos, hinos e cânticos espirituais” (Ef 5.19).
Eu não estaria errado em afirmar que uma das razões para a indiferença (para não dizer silêncio) no momento do canto em muitas igrejas é a falsa ideia da congregação passiva e expectadora ao invés de ativa e estimuladora. O culto do Novo Testamento desconhece a ideia de somente um grupo de pessoas que canta enquanto outros assistem e aplaudem. O canto pertence a toda congregação, não à banda, coral ou dirigente da música. Todos presentes devem “falar uns aos outros com salmos, hinos e cânticos”.
John Stott diz acertadamente em seu comentário sobre essa passagem: “sempre que os cristãos se reúnem, eles adoram cantar tanto para Deus como para o outro. Às vezes, cantamos de maneira responsiva, como faziam os judeus no templo e na sinagoga, e como os primeiros cristãos também faziam, encontrando-se antes do amanhecer para recitar um hino alternadamente a Cristo como a um deus.”[1] Stott cita a carta de Plínio enviada ao imperador Trajano (112 d.C.) nessa última frase sobre cristãos cantando “alternadamente a Cristo como a um deus”.
Portanto, temos tanto uma exortação bíblica para o canto congregacional como relatos históricos que comprovam que essa era a prática da igreja primitiva.
O que Efésios 5.19 sugere é que nós cantamos tanto para Deus como para nós mesmos. Devemos “falar para nós mesmos nas nossas assembleias e reuniões, para edificação mútua”[2]. Acredito que sejam esses os dois propósitos do culto público: adoração e edificação.[3]
Veja que Paulo diz que dentre as opções das músicas para o canto, temos os “salmos”. Há salmos que são exortações recíprocas. Tome por exemplo o Salmo 95: “Venham! Cantemos ao Senhor com alegria! Aclamemos a Rocha da nossa salvação.” Não é a banda que deve dizer isso, nem o líder ou pastor conducente, mas o povo.[4] A imagem que vem a nossa cabeça com esse salmo é de o povo se olhando e reafirmando sua fé mutuamente através da música: “pois o Senhor é o grande Deus, o grande Rei acima de todos os deuses” (verso 3).
Se isso é verdade, temos que nos perguntar: como cantaremos “uns aos outros” se não vemos uns aos outros enquanto cantamos? Será que pelo simples fato de deixarmos as luzes acesas na banda, não estamos dando a eles um destaque impróprio? Para ser sincero, as luzes deveriam estar acesas na congregação e apagadas na banda, pois os músicos são meros acompanhantes e exercem um papel secundário no canto. A igreja lidera, os músicos seguem.
Há muito mais que poderíamos pensar aqui, como por exemplo a disposição das cadeiras no culto (muitas das vezes vemos mais nucas dos que rostos), volume dos instrumentos, etc. Mas acredito que esse princípio de Paulo é um forte argumento para que a luzes permaneçam acesas!
2. Somos encorajados a cantar com alegria nos salmos, precisamos vê-la.
Uma das causas da profunda tristeza do salmista no salmo 42 é que ele se lembrava de quando costumava ir com a multidão à casa de Deus, “com cantos de alegria e de ação de graças entre a multidão que festejava” (verso 4). A alegria era, sem dúvida alguma, uma marca na adoração do povo de Deus.
C.S. Lewis descreve acertadamente a adoração israelita. Ele a chama de “apetite por Deus” e argumenta que “é um desejo natural e até mesmo físico, alegre e espontâneo“. Eles se alegravam e exultavam (Salmo 9.2). Deveriam cantar músicas e fazer barulhos alegres com tamborins, liras e harpas (81.1–2). Meras músicas não eram suficientes, todos os povos, mesmo os gentios ignorantes, deveriam bater palmas (47.1). Címbalos, não apenas bem sintonizados, mas barulhentos, e também danças (150: 5). Até mesmo as ilhas remotas (todas as ilhas eram remotas, pois os judeus não eram marinheiros) deveriam compartilham dessa exultação (97.1).[5]
É claro que o culto cristão atual não compartilha de todos os detalhes da adoração israelita, mas ainda assim a alegria permanece.[6] Não há nada mais edificante do que ver um irmão na fé adorando alegremente, apesar de todas as circunstâncias difíceis que tem passado. Jogamos um fardo muito grande nos músicos e dirigente do canto quando esperamos ver neles, domingo após domingo, essa alegria exuberante dos salmos. Precisamos da congregação para isso! Acenda as luzes e “se alegre com os que se alegram” (Rm 12.15).
3. É o Espírito Santo, através da Palavra, que prepara o nosso coração, não as luzes do ambiente.
A eclesiologia reformada nos privará de erros na adoração dominical. Por “eclesiologia reformada” tenho em mente os lemas da reforma protestantes (cinco solas) e as doutrinas da graça (conhecidas pelo acróstico inglês TULIP). Por exemplo, ao concordarmos com o “somente a Escritura”, daremos a ela um lugar central no nosso culto. Ao mesmo tempo, por entendermos que o homem é “totalmente depravado” em seus pecados, entenderemos que não é a quantidade de luz no ambiente (ou falta dela) que moverá seu coração.
A bíblia diz que somente a “lei do Senhor revigora a alma” (Sl 19.7). Somente a palavra de Deus é a “espada do Espírito” (Ef 6.17, veja a atuação do Espírito com a palavra) e que o agir do Espírito através da palavra é “eficaz” e penetra “corações” (Hb 4.12). Jesus disse que suas palavras são “espírito e vida” (Jo 6.63). Pedro disse que essas palavras garantem “vida eterna” (6.68) e que a regeneração acontece pela “semente imperecível, viva e permanente” (1Pe 1.23). Tiago diz a mesma coisa, fomos “gerados pela palavra da verdade” (Tg 1.18). Nitidamente, a palavra de Deus deve guiar e estar em cada elemento do culto cristão. Como Mark Dever diz, em nossos cultos devemos “cantar a palavra, orar a palavra, pregar a palavra, ler a palavra e ver a palavra” (nos sacramentos). É triste vermos igrejas que são conhecidas pela musicalidade e não pela fiel pregação, isso vai contra sua própria natureza — ser “uma comunidade teológica criada pela Palavra de Deus”.[7] O ponto aqui é claro: não é a quantidade de luz que moverá os corações pecadores.
Um outro ponto a se considerar é que Paulo nos ensina que a palavra de Deus que possibilita e prepara o momento dos cânticos e não o contrário. Veja o que diz Colossenses 3.16:
“Que a palavra de Cristo habite ricamente em vocês. Instruam e aconselhem-se mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus com salmos, hinos e cânticos espirituais, com gratidão no coração”. Se a palavra não habitar nos nossos corações, eles não transbordarão em louvor, pior ainda, os cânticos não serão guiados pela palavra. Essa é a razão pela qual vemos tantas letras que não são bíblicas, a palavra deixou de habitar nos corações dos compositores! Lembre-se, não é a quantidade de música que você canta, nem como você “prepara o ambiente com as luzes da sua igreja” que preparará os corações para o que está por vir no culto, mas o quanto a palavra de Deus está reverberando no meio do seu povo.
Gostaria de escrever mais sobre o assunto, mas o espaço não me permite. Talvez você não concorde comigo nos pontos acima ou precisa de mais meditação, fique à vontade. Se eu consegui encorajá-lo(a) a pensar biblicamente sobre cada elemento do seu culto público, alcancei meu objetivo.
[1] Stott, J. R. W. (1979). God’s new society: the message of Ephesians (pp. 205–206). Downers Grove, IL: InterVarsity Press.
[2] Henry, M. (1994). Matthew Henry’s commentary on the whole Bible: complete and unabridged in one volume (p. 2317). Peabody: Hendrickson.
[3] οἰκοδομή (“edificação/edifica”) aparece 7x em 1Co 14 onde Paulo trata sobre o culto cristão.
[4] Não sou favorável à posição “salmodia exclusiva”. Entendo (junto com outros comentaristas) que essa passagem defende diversidade musical e não exclusividade. Não interpreto “hinos e cânticos espirituais” como sinônimos de “salmos”. Há músicas na Bíblia que são belíssimas e que não estão nos Salmos. O evangelista Lucas narra os cânticos de Maria, Zacarias, Simeão e anjos. Essas músicas têm sido cantadas há séculos na tradição cristã.
[5] LEWIS. C.S. Reflections on the Psalms
[6] Para um argumento contra “danças” no culto veja o livro Adoração Reformada: adoração segundo as Escrituras, Terry L. Johnson.
[7] VANHOOZER. Kevin, J. O Pastor como teólogo público: Recuperando uma visão perdida
Por: Thiago Guerra. © Cante as Escrituras. Todos os direitos reservados.